top of page

Toda semana um estudante passa ansioso pela secretaria da Associação dos Cegos de Juiz de Fora, esperando a chegada de seu material de estudo. A carência de recursos é cena comum em um país que ainda está longe de liderar o ranking mundial de educação, mas para 6,5 milhões de brasileiros, como aqueles que passam na secretaria da instituição, o acesso ao ensino costuma ser ainda mais difícil. Uma realidade que, em Juiz de Fora, é combatida de doação em doação, usando criatividade e tecnologia para enfrentar desafios do ensino.

 

Uma das dificuldades está no lento desenvolvimento da linguagem para o deficiente visual. O próprio sistema de pontos braille, que foi criado como instrumento de inclusão, começa a perder parte de sua praticidade. De aprendizado difícil, ele passa a ser substituído pela facilidade dos computadores. E mesmo no caso de instituições de ensino privado que prestam alguma assistência ao deficiente, o material didático acaba sendo “traduzido” para o braille pela Associação.

 

 

De ponto em ponto

Cegos em Juiz de Fora contornam barreiras no ensino por meio da tecnologia

 

Por Carolina Almeida

Muitos alunos preferem usar o computador e ouvir o material digitalizado é mais prático e barato. Por isso, a Associação possui um infocentro e um programa em que o computador dita o texto desejado. Wallace Vieira, estudante de ensino médio do Ensino Supletivo Custódio Furtado de Souza (Cesu), passou a gostar de computadores dessa forma. Interessado pela área de Exatas, ele sonha em fazer Computação, mas ainda não sabe se será possível por ser uma área com pouca bibliografia adaptada. Atualmente com 22 anos, Wallace ainda tem de esperar um tempo maior pelo material, já que a prioridade é daqueles que estão cursando o Ensino Superior. “Onde eu estudo me falaram que iam me dar o material didático digitalizado. Eu fiquei oito meses esperando e nada. Foi quando eu decidi esperar e estudar com gravação mesmo.”

Por quase 20 anos, esse material é fornecido gratuitamente por conta do alto valor de máquinas e programas utilizados na adaptação para o deficiente visual. E são muitos os que dependem do trabalho de transcrição e digitalização: atualmente, dois funcionários da instituição se dividem para atender 13 alunos do Ensino Fundamental, sete do Ensino Médio, 14 do Ensino Superior e oito em pós-graduação e concurso. A Associação, fundada nos anos 1940, também sofre com o alto custo de equipamentos. A impressora em braille, por exemplo, foi uma aquisição de R$ 30 mil e é submetida anualmente à revisão em loja autorizada localizada em Curitiba, ao custo de R$ 7 mil.

De acordo com Alexandre Marchito, supervisor de Tecnologia de Informação (TI) e transcrição em braille da entidade, a falta de recursos para a aprendizagem é algo que está presente desde cedo na vida do deficiente visual, como no caso de brinquedos didáticos do braille, que são caros. Para contornar a situação, o grupo passou a produzir objetos semelhantes com materiais reciclados, em que a base é feita de isopor e os pontos são representados por tampas de amaciante. Ter contato com diferentes texturas e superfícies também é importante no aprendizado, por isso a associação cria formas geométricas de diferentes tamanhos de cartolina. 

 

O material de ensino ainda depende da disponibilidade de voluntários e doadores, mas há limitações na própria linguagem braille. Por ser um sistema relativamente novo,

alguns códigos ainda não existem, como é o caso de termos e símbolos mais complexos de Matemática e Química. Fica ainda mais difícil para o deficiente visual seguir a carreira dos seus sonhos pela falta de material adaptado, e a solução acaba sendo se voltar para cursos mais estabelecidos e que não dependam tanto de imagens. 

Houve o caso de um aluno do curso de Fonoaudiologia que chegou a desistir, conta Alexandre. “Agora tem um em Fisioterapia que está tendo muita dificuldade na parte visual do material. Acho que falta uma real inclusão do deficiente pela faculdade” – afirmou.

Para Rodrigo Santana Callegaro, estudante do 8º período de Direito no Colégio Vianna Junior, o computador também ajudou bastante, mas ouvir a voz digital pode ser uma tarefa cansativa. Para ele, mesmo com os avanços tecnológicos, o deficiente visual está longe de ser independente nos estudos. 

O contato humano no aprendizado ainda é considerado muito importante, tanto para o aluno quanto para professores. Toda semana, já por quatro anos, Rodrigo encontra com os chamados “Ledores”. Eles são os voluntários responsáveis por ler o material em voz alta e, muitas vezes, ajudar a entender o conteúdo.

 

 

O ledor Antônio Paulo Angelucci, de 66 anos, é um dos mais antigos, já contribuindo há oito anos com o trabalho. “O que me motivou foi ajudar o deficiente e me ajudar também. Sou aposentado, então em vez de ficar ocioso, resolvi dedicar esse tempo à leitura. A facilidade que tem quando a pessoa permanece é que cria um vínculo. O deficiente ganha confiança no ledor”.

Apesar dos parcos recursos e sem auxílio de verbas oficiais, a Associação dos Cegos de Juiz de Fora dá um exemplo de busca de solução para amenizar as barreiras tecnológicas no ensino para essa faixa da população. Assim como no sistema de pontos que vem se adaptando, o trabalho é feito em pequenos estágios, mas preenche uma parte significativa e necessária da educação na cidade, mesmo em meio à crise.  

Wallace Vieira, estudantede ensino médio auxiliado pela Associação dos Cegos

Foto: Carolina Almeida

Brinquedo de ensino do braille feito com materiais reciclados

Foto: Carolina Almeida

Antônio Paulo Angelucci, ledor da Associação há oito anos

Foto: Carolina Almeida

"Meu filho é gay, e agora?"

bottom of page