Remei
Revista de Mídias Eletrônicas Informacionais
Futebol de várzea da cidade tem times fortes, diversos ex-jogadores profissionais e muito dinheiro investido. E quem não meter a mão no bolso não tem vez. "Se não gastar, não ganha", garante dono de equipe
De amador, só o nome
Leandro Colares
Domingo, 8 de dezembro de 2013. A manhã chuvosa e até certo ponto cinzenta não afugenta o público que lota as arquibancadas – tanto as fixas quanto as improvisadas – do Estádio David de Castro, em Benfica, Zona Norte de Juiz de Fora. É a final da categoria adulto, a mais prestigiada e festejada da Copa Prefeitura Bahamas de Futebol Amador.
Em campo, duas equipes que, em teoria, representam bairros específicos da cidade. A prática, no entanto, é bem diferente. Embora ligadas às comunidades de origem, os finalistas Tô Maluco, da Vila Ozanan, e Chapadão, do Dom Bosco, estão longe de serem meros times de moradores. As equipes têm donos, técnicos, jogadores com passagens por clubes profissionais e, sobretudo, dinheiro.
O placar da decisão – 4 a 0 a favor do Tô Maluco – dá a impressão de um passeio. Não é exatamente o que se viu em campo. Até o gol do volante Fabiano Guru, aos 10 minutos do segundo tempo, o Chapadão pressionava o adversário no campo de ataque. No fim, dois gols do meia Anderson Experi e um do atacante Tiquinho decretaram a goleada, que sacramentou o segundo título da equipe no torneio.
Jogadores do Tô Maluco comemoram título
Foto: Leandro Colares
Por sinal, os autores dos gols simbolizam bem a montagem do time do Tô Maluco. A maior parte da equipe é composta por jogadores que já atuaram profissionalmente. Assim como Tiquinho, o lateral-direito Zé teve passagem pelo Sport Club Juiz de Fora. O zagueiro Tica atuou pelo Entrerriense, e seu companheiro de defesa, Romualdo – que recentemente chegou a receber sondagem de um dirigente do Tupi –, milita no futsal na Tailândia. Na lateral-esquerda, o jovem Lucas pertence ao elenco de Juniores do Carijó, e vem treinando com os profissionais.
Mas é no meio-campo que o Tô Maluco tem suas principais peças. Fabiano Guru tem história no Tupi, e rodou por outros clubes mineiros. Anderson Experi, o camisa 10 do time, também passou pelo Galo Carijó, e já atuou por América-MG e por equipes do futebol esloveno e austríaco.
Tudo isso só foi possível graças a uma engenharia financeira comandada pelo trio de ferro do Tô Maluco. O presidente, Rodrigo Daibert, e o vice, Fabiano Boro, se uniram ao empresário Juninho Carrumba, proprietário da Live Produções, e passaram a entrar nos torneios de forma diferente. “Isso vem acontecendo há cerca de cinco anos, desde que decidimos montar equipes para chegar às finais. No nosso time, todos recebem (média de R$ 100 por partida), ninguém joga de graça. Alguns ganham mais, outro menos. Depois que entrei, Rodrigo e eu dividimos a despesa, com o Fabiano ajudando também”, conta Carrumba, que é técnico e lateral-direito reserva da equipe. “Sem gastar dinheiro, só ganhávamos campeonatos de bairro, que não têm destaque. Na Bahamas, se não gastar, não ganha”, decreta.
Juninho Carrumba (primeiro agachado da esquerda para direita) é o técnico do Tô Maluco
Foto: Leandro Colares
Na edição 2013 da Copa Bahamas, o Tô Maluco gastou mais de R$ 20 mil (entre R$ 1,5 mil e R$ 2 mil por partida) em remunerações de jogadores. “Às vezes, eles pedem para dobrar o valor que recebem, e nós concedemos em algumas ocasiões, como em finais e clássicos”, diz Juninho. No caso, a rivalidade é contra o Dominados, da Vila Ideal.
Os atletas de fim de semana recebem por jogo, mas há exceções. No caso do time da Vila Ozanan, Anderson Experi chegou, inclusive, a ganhar um valor fixo para “assinar” com a equipe, algo parecido com as luvas de um contrato profissional. “Se eu não o pagar, outros dez times querem”, garante Carrumba.
Mercado
Se no futebol profissional o mercado de transferências gera disputas ferrenhas entre as equipes, no amador a situação não é diferente. Os melhores jogadores são cobiçados por várias equipes, e muitas vezes quem paga mais leva. “Alguns tentam fazer leilão, e há uma disputa entre times, mas nós não entramos. Em 2010, 2011, cobríamos ofertas dos outros times e nos preocupávamos com isso, mas paramos de segurar os caras. Em 2013, tiramos o pé um pouco e fomos campeões. Já investimos mais em outras ocasiões”, revela Carrumba.
A concorrência envolve especialmente os ex-jogadores profissionais, que são considerados diferenciais para as suas equipes. O atacante Allan, por exemplo, é ídolo do Tupi, e começou no futebol amador. Ele garante que a passagem pelo profissional o fez aumentar o nível de atuações. “Você muda, pega mais experiência e vai conhecendo os atalhos de uma partida de futebol, coisa que o Allan do amador não sabia. O Allan profissional aprendeu muito com outros jogadores experientes. Você volta mais cauteloso, com mais calma e paciência na partida, sabendo administrar melhor o jogo. Isso diferencia muito o profissional do amador, que é mais coração, mais vontade”, afirma. Atualmente, Allan defende o Uberlândia, que se prepara para a disputa do Módulo II do Campeonato Mineiro.
Apesar de ser cobiçado pelo “mercado”, Allan diz que nunca recebeu para jogar no futebol amador da cidade.
Anderson Experi (centro) ao lado de Allan (direita) e Ademílson (esquerda), atacante do Tupi
Foto: Leandro Colares
Segundo Allan, não é só o dinheiro que motiva alguns atletas profissionais migrarem para o amor esporadicamente. “Para o profissional, tem dois lados. O dinheiro compensa se você estiver em casa, mas há o risco de uma lesão. Às vezes, o dinheiro que você ganha não é suficiente para arcar com uma recuperação, por exemplo. Mas quando você é um jogador de futebol, você não consegue ficar longe dos campeonatos, independentemente de ser pago ou não. São competições boas, e você sente falta disso. O atleta tem essa necessidade. O jogador sente falta da competição na sua vida”, ressalta.
Copa Bahamas é destaque, mas outras competições patinam
O cenário do futebol amador em Juiz de Fora ainda precisa melhorar. Na avaliação das pessoas do meio, a Copa Bahamas tem destaque, mas os outros torneios, como a Copa Caem e a Copa Camisa 12, por exemplo, estão degraus abaixo. “Disputávamos outros campeonatos, mas de uns tempos para cá, só entramos na Bahamas. É um custo à toa. Preferimos deixar chegar a Bahamas e entrar com um time forte. Os outros torneios não têm destaque nenhum, tanto que, nesses campeonatos, pagávamos metade do que na Bahamas. A Bahamas sai nos jornais e na rádio, os outros não. É diferente”, analisa Juninho Carrumba.
Para Allan, a falta de espaço na mídia é um problema. “Juiz de Fora é pouco divulgado. Aqui mesmo em Uberlândia tem várias competições muito fortes, que fazem com que muitos prefiram o amador ao profissional. A disputa é muito grande. Juiz de Fora poderia ter mais competições. Hoje temos a Copa Bahamas, que é maravilhosa e conhecida no Brasil inteiro, mas sabemos que precisa de mais torneios”, avalia.
Carrumba segue a mesma linha. “Em Juiz de Fora, não há muito apoio. A Copa Bahamas é diferente porque o supermercado apoia. Os outros não têm o clima e o charme da Bahamas. A prova disso tudo é o Tupi, que é profissional e não tem apoio”, reflete. O técnico do Tô Maluco não acredita em mudança no cenário, pelo menos a curto prazo. “Aqui não tem continuidade de investimento. Eu não acredito que eles invistam no futebol amador daqui. Eles não veem visibilidade. Quem investe é porque é dono de empresa e de um time, como o meu caso.”
Veja os gols da Final da Copa Bahamas de Futebol Amador 2013: