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Um outro lado: homens também sofrem agressÔes

Cresce violĂȘncia contra as mulheres em Juiz de Fora

por Juliana Neto e Liliane Oliveira

Entre janeiro e julho de 2013, mais de 15.000 queixas contra a violĂȘncia domĂ©stica foram registradas pelas mulheres de Juiz de Fora. Esta estatĂ­stica coloca a cidade em 2Âș lugar no ranking regional com maior nĂșmero de ocorrĂȘncias contra as mulheres em Minas Gerais, perdendo apenas para Belo Horizonte.

 

Mas, mesmo assim, os dados levantados podem esconder uma realidade ainda mais preocupante. “Por desconhecimento da lei, vergonha, medo ou insegurança, muitas outras mulheres acabam deixando de denunciar as agressĂ”es sofridas”, afirma a coordenadora de PolĂ­ticas PĂșblicas para as Mulheres de Juiz de Fora, Rose França.

De acordo com Rose, a grande maioria das ocorrĂȘncias nĂŁo estĂĄ necessariamente ligada Ă s agressĂ”es fĂ­sicas. “Muitas mulheres acham que Ă© necessĂĄrio fazer um B.O. [Boletim de OcorrĂȘncia] somente em casos extremos, onde o agressor bate na vĂ­tima. Mas essa nem chega a ser a principal forma de agressĂŁo. A violĂȘncia psicolĂłgica tem o maior nĂșmero de casos. Em seguida, vem a violĂȘncia patrimonial, na qual os companheiros ameaçam expulsar suas parceiras de casa ou quebrar os pertences do casal”.

 

Em relação ao grau familiar, a grande maioria dos agressores sĂŁo cĂŽnjuges ou namorados das vĂ­timas. Em seguida, aparecem as violĂȘncias cometidas por filhos, irmĂŁos e demais parentes. 

Casa da Mulher Ă© inaugurada para apoiar vĂ­timas

 

Para incentivar o registro das ocorrĂȘncias e auxiliar as agredidas no andamento dos processos, um novo espaço, exclusivo para as mulheres, foi inaugurado em maio deste ano na cidade. HĂĄ pouco mais de um mĂȘs, o local passou a contar tambĂ©m com a Delegacia da Mulher.

 

O espaço fica na Rua Uruguaiana, nĂșmero 94, no Bairro da GlĂłria. A Casa da Mulher foi projetada para que as vĂ­timas se sintam seguras e protegidas para realizar as ocorrĂȘncias. “A Casa da Mulher Ă© um local aconchegante e humanizado, a começar pela recepção, que nĂŁo conta com policiais e sim com recepcionistas mulheres. Tudo foi idealizado para que o espaço nĂŁo tenha aquele perfil de delegacia”, destaca Rose França.

Para 2014, a Casa passarĂĄ a receber tambĂ©m as tornozeleiras eletrĂŽnicas que vĂŁo rastrear os agressores para que nĂŁo se aproximem das vĂ­timas. Elas serĂŁo distribuĂ­das gratuitamente nas audiĂȘncias cujas medidas protetivas indicarem a necessidade de utilização.

 

A coordenadora de PolĂ­ticas PĂșblicas explica, em ĂĄudio, como serĂĄ o funcionamento das tornozeleiras eletrĂŽnicas: 

Delegacia da Mulher aponta uso de drogas como principal causa das agressÔes

 

Em vigor desde 2006, a Lei Maria da Penha foi criada para proteger as mulheres contra casos de violĂȘncia domĂ©stica. Mas, de acordo com a delegada Maria de Souza Pontes, da Delegacia da Mulher de Juiz de Fora, a partir da mesma Ă©poca, um outro agravante tambĂ©m passou a ser responsĂĄvel pelo registro das ocorrĂȘncias: o uso de drogas e do ĂĄlcool.

 

“De acordo com os casos que chegam, Ă© possĂ­vel afirmar que a violĂȘncia domĂ©stica estĂĄ diretamente relacionada ao uso de ĂĄlcool e crack. Na maioria dos casos que se encaixam na Lei Maria da Penha, esses vĂ­cios sempre aparecem associados. Isso nĂŁo justifica as ocorrĂȘncias, mas em 90% dos casos, ameaça, agressĂŁo patrimonial e ameça psicolĂłgica estĂŁo relacionados Ă s drogas”, aponta.

 

É o caso da empregada domĂ©stica Aline Cristina de Jesus Silva, 36 anos, que diariamente convive com as agressĂ”es do parceiro. “Meu esposo jĂĄ me agrediu fisicamente uma vez e, frequentemente, me ameaça com gritos e brigas. AlĂ©m disso, ele me faz passar muita vergonha com meus vizinhos e minha famĂ­lia. Como ele Ă© usuĂĄrio de drogas, quando estĂĄ drogado, vem pra cima de mim, grita no meio da rua para todo mundo ver”.

 

De acordo com a domĂ©stica, mesmo apĂłs uma primeira audiĂȘncia na delegacia, as agressĂ”es continuaram: “Ele continuou me ameaçando e sĂł ainda nĂŁo me bateu porque eu tranco ele do lado de fora da casa. AlĂ©m de quebrar as minhas coisas e assustar meus filhos, ele agora incendiou a casa. Tive que procurar novamente a delegacia”, conta Aline, em entrevistada na delegacia, enquanto esperava para ser atendida para mais uma queixa contra a violĂȘncia do parceiro.

 

Ao ser questionada sobre a pesquisa divulgada pelo IPEA, publicada em setembro de 2013, que apontou que o nĂșmero de homicĂ­dios no paĂ­s nĂŁo caiu apĂłs a Lei Maria da Penha, a delegada afirmou que a situação nĂŁo se aplica em Juiz de Fora.

 

“Essa pesquisa Ă© nacional e generaliza muito os fatos. Em Juiz de Fora, foram oito homicĂ­dios contra mulheres no 1Âș semestre, sendo que quatro deles passaram pela Delegacia da Mulher. Em trĂȘs homicĂ­dios, as mulheres desrespeitaram as medidas cautelares e voltaram para o convĂ­vio de seus parceiros agressores. No 1Âș semestre, havia 20 condenados pela Lei Maria da Penha presos no CERESP”.

Casa da mulher foi inaugurada em maio de 2013

(Foto: Juliana Neto)

Ambiente da casa Ă© projetado para deixar mulher mais Ă  vontade

(Foto: Juliana Neto) 

NĂșmero de ocorrĂȘncias Ă© 30% superior em relação ao ano de 2012

Por vergonha, eles deixam de formalizar a queixa na polĂ­cia. NĂșmero de registros em Juiz de Fora nĂŁo corresponde com a realidade da cidade

Ao contrĂĄrio do que se pensa, as mulheres nĂŁo sĂŁo as Ășnicas vĂ­timas da violĂȘncia domĂ©stica. Em muitos casos, elas sĂŁo as agressoras. Apesar de ser tratada como exceção Ă  regra, esta jĂĄ Ă© a realidade de muitos homens. O funcionĂĄrio pĂșblico JCF*, de 29 anos, passou por essa situação recentemente.

 

Ele conta que sua ex-mulher era muito ciumenta. Um dia, em uma crise, ela foi atĂ© o escritĂłrio que ele trabalhava e armou uma confusĂŁo por ciĂșmes de uma colega de trabalho. “Em casa, depois muita discussĂŁo, eu disse que ia me separar e fui dormir em outro quarto. NĂŁo satisfeita ela foi atĂ© o quarto e me jogou uma panela de ĂĄgua quente. Tive queimaduras de segundo e terceiro graus na regiĂŁo do abdĂŽmen”, afirma.

 

Assim como a maioria dos homens, JCF não registrou queixa formal contra sua ex-mulher. E esse é só um caso entre tantos outros que ficam escondidos pela vergonha que os homens sentem em assumir que sofrem agressÔes físicas e psicológicas de suas parceiras.

 

Segundo o soldado da 1ÂȘ Delegacia Regional de PolĂ­cia Civil de Juiz de Fora, OtĂĄvio Duarte, o nĂșmero de ocorrĂȘncias registradas por violĂȘncia domĂ©stica contra homens Ă© insignificante em relação Ă s mulheres. “Em 2013 ainda nĂŁo temos registros oficiais. No ano passado foram somente 12 registros especĂ­ficos de agressĂ”es ocasionadas por mulheres, em toda a regiĂŁo de Juiz de Fora. Mas esses dados nĂŁo representam a realidade jĂĄ que a maioria maciça dos homens nĂŁo realiza a queixa formal”.

 

 

Embora o nĂșmero de ocorrĂȘncias formais registradas nĂŁo seja significativo, uma pesquisa realizada em 2011 pela psicĂłloga Fernanda Bhona, na Universidade Federal de Juiz de Fora, apontou uma realidade diferente em relação Ă  violĂȘncia domĂ©stica na cidade. Foram analisadas 292 mulheres envolvidas em relacionamentos conjugais (veja grĂĄfico). A pesquisa comprovou que nem sempre as mulheres sĂŁo as vĂ­timas.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O policial civil OtĂĄvio Duarte orienta aos homens que sofrem agressĂ”es a necessidade de formalização da denĂșncia. “É de suma importĂąncia que o homem denuncie porque, apesar de nĂŁo existir uma legislação especĂ­fica ao seu lado, ele tem direitos civis que devem ser respeitados e a mulher pode, sim, ser punida por atos de violĂȘncia contra o seu parceiro”.

 

Desde 2009 tramita na CĂąmara dos Deputados um projeto de lei que prevĂȘ proteger e garantir os direitos dos homens agredidos por mulheres, em moldes semelhantes Ă  Lei Maria da Penha. O Projeto de Lei nÂș 5.685/2009 foi redigido pelo deputado Gonzaga Patriota (PSB-PE) e ainda estĂĄ em carĂĄter de estudo.

JCF teve queimaduras de 2° e 3° grau

(Foto: Liliane Oliveira)

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