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O jornalismo e as redes sociais

Ambiente da rede potencializa a circulação de boatos e informações falsas e exige ainda mais do profissional na apuração jornalística

 

 

Helena Amaral

 

 

    Em julho deste ano veículos da imprensa nacional e internacional foram enganados por um vídeo no qual um suposto telejornal norte-coreano noticiava a vitória da Seleção de futebol daquele país na Copa do Mundo. Tudo não passou de uma brincadeira criada pela equipe do blog brasileiro Não Salvo.

    Para dar mais veracidade ao material, a equipe criou um canal no YouTube três meses antes do início da competição e foi alimentando a página com diversos vídeos de notícias norte-coreanas. O Twitter foi a rede social escolhida para viralizar o primeiro material na web. Jornais do Canadá, Estados Unidos, Reino Unido e vários veículos tradicionais brasileiros deram alguma notícia sobre os conteúdos publicados. Alguns deles, como o Lance!Net, chegaram a questionar a veracidade dos materiais.

    Este é apenas um exemplo das muitas falsas informações que são diariamente publicadas e replicadas nas redes sociais. Ainda que o boato não seja uma exclusividade da Internet, o ambiente das redes facilita a sua divulgação e potencializa a sua circulação. Para a jornalista Gihana Fava, esta potencialização pode ser atribuída à duas vertentes principais: aos produtores de notícia e aos usuários.

     Aos primeiros porque, devido às dificuldades em dar furos com informações precisas, optam por utilizar as redes sociais como primeiro meio para noticiar determinados acontecimentos. Aos usuários, por seu hábito de ler somente os títulos e/ou leads e saírem replicando as informações.  “E, como uma informação de um amigo tende a ser confiável, sua rede vai replicando aquele conteúdo”, complementa Gihana.

     A preocupação acerca das informações que circulam nesses ambientes se faz ainda maior tendo em vista casos como o citado no início da matéria, em que veículos da grande mídia acabam sendo enganados e replicam os hoaxes (termo inglês usado para designar fraude ou boato). Um agravante é o fato de que cada vez mais as redes sociais têm pautado os veículos jornalísticos.

     Um estudo de 2013, realizado pelo conglomerado de agências de comunicação Oriella PR Network, evidencia o uso das redes sociais como fonte de notícias pelos jornalistas: dos 500 profissionais entrevistados, 51% afirmam fazer uso dessas plataformas para “reunir novas histórias”, desde que os responsáveis pelas contas consultadas sejam confiáveis.

      A jornalista Marise Baesso, editora da seção Geral do jornal Tribuna de Minas, conta que na redação, além de acompanhar outros veículos e vários sites (de notícias e de órgãos oficiais), a equipe acompanha o que circula nas redes sociais, inclusive nas páginas e perfis de pessoas públicas da cidade. Marise ressalta a importância de algumas dessas páginas que, ao trazerem reclamações das pessoas com relação à problemas locais, podem ser uma importante fonte de conteúdo.

 

Em entrevista, a jornalista Marise Baesso fala de como a web e as redes sociais alteram o fazer jornalístico e como os profissionais da área podem melhor usufruir dessas ferramentas

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

    No entanto, a jornalista destaca a necessidade de atenção na escolha do que merece ser pautado pelos veículos jornalísticos, já que estas páginas são muitas vezes utilizadas para desabafos e exposição de problemas de cunho pessoal. “Se é um problema que interfere na coisa pública, na rotina da cidade, no cotidiano das pessoas, aí sim a gente vai correr atrás”, afirma. Marise conta também que, algumas vezes, acontecimentos que não seriam noticiados pelo jornal por não se encaixarem nas características do veículo (como em seu tipo de público, por exemplo), acabam sendo cobertos em decorrência de sua grande repercussão nas redes sociais.

    A repercussão também vai ser elemento importante para o jornalismo na verificação da veracidade das informações publicadas nesses ambientes, e constitui um dos diferenciais trazido pela web no trabalho de apuração jornalística. Em artigo no qual analisa a influência das mídias móveis na adoção dos critérios de noticiabilidade, o doutorando em ciências da comunicação Ivan Satuf propõe três novos valores-notícia. Dentre eles figura o da redundância, que defende que “um evento que possui muitos registros de vários ângulos feitos por muitas pessoas tem maior possibilidade de virar notícia, pois a redundância aumenta a credibilidade da informação partilhada”.

    O ambiente da web modifica ainda a relação do jornalista com as fontes. Ainda que a multiplicidade de difusores de informações e a sua descentralização (antes restritas às fontes oficiais) ofereçam mais opções aos jornalistas, impõe maiores dificuldades na apuração dos fatos (devido ao grande número de informações circulando) e na checagem da confiabilidade das fontes.

     A jornalista Marise Baesso chama a atenção para o fato de que via Internet as pessoas podem enganar mais facilmente o repórter, o que demandaria deste profissional a utilização de meios que comprovem a credibilidade das fontes consultadas para falar dos assuntos com elas abordados (ao se tratar de uma denúncia, por exemplo, o jornalista pode pedir fotos ou documentos que comprovem que a pessoa é vítima de dada situação).

    Em um panorama geral, infere-se que, mais do que exigir dos jornalistas a aplicação de antigos critérios, o novo cenário midiático demanda novas ferramentas de seleção, apuração e checagem dos fatos, dados e fontes. Esses instrumentos são tão novos quanto as tecnologias que tem modificado o fazer jornalístico; e à medida que essas tecnologias se modificam, exigem a criação de novos métodos para atender às necessidades da profissão.

 

Os boatos e os usuários das redes sociais

 

    Assim como os meios de comunicação, os usuários das redes sociais também constroem uma “imagem” a partir dos conteúdos que curtem, publicam e/ou compartilham. A atenção à critérios como a grafia, a gramática e a origem das informações, bem como a necessidade de uma leitura completa dos conteúdos (para além dos títulos e leads), são dicas importantes que podem contribuir na checagem da veracidade e confiabilidade dos materiais acessados.

    O consultor de marketing digital Renan Caixeiro deu mais algumas dicas de fatores a serem considerados pelos usuários antes de curtir, publicar e/ou compartilhar informações nas redes sociais.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Confira alguns dos boatos que circularam nas redes sociais em 2014

 

1) Coréia do Norte campeã da Copa do Mundo

 

Em julho deste ano, a equipe do blog brasileiro Não Salvo enganou a imprensa mundial ao postar no Youtube um vídeo no qual um suposto telejornal norte-coreano noticiava a vitória do país na Copa do Mundo. O canal onde o vídeo foi publicado havia sido criado e alimentado há/por três meses antes. Sites e jornais do país e do mundo caíram na brincadeira e noticiaram o fato. (Foto: Não Salvo)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

2) Morte do doleiro Alberto Youssef

 

No domingo de eleições, circulou pelo WhatsApp e pelas redes sociais a notícia de que o doleiro Alberto Youssef – envolvido em esquema de corrupção na Petrobras - teria morrido envenenado. Em nota, a Polícia Federal negou a situação e esclareceu que o doleiro foi internado na tarde de sábado em decorrência de uma queda de pressão arterial, causada pelo uso de medicamentos para problemas cardíacos. (Foto: Geraldo Magela/Agência Senado)

 

     

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

3) Mulher espancada após ter sido confundida com retrato falado divulgado no Facebook

 

O poder dos boatos na Internet se confirmou de forma trágica em maio deste ano: uma dona de casa morreu após ser espancada por dezenas de pessoas em Guarujá, litoral de São Paulo. A vítima teria sido confundida com uma mulher que teve a foto divulgada em uma rede social, acusada do sequestro de uma criança no bairro. (Foto: site G1)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

4) Notícias falsas sobre surto de ebola no Brasil

 

Desde que foi detectado, em março de 2014, o surto de ebola tem deixado a população mundial em alerta e gerado boatos em vários países com casos ainda não confirmados da doença. Em Brasiléia, cidade do Acre que faz fronteira com a Bolívia, a população se assustou com uma informação disseminada via WhatsApp afirmando que haitianos contaminados estariam cruzando a fronteira para o país. Em outubro, uma suspeita do caso em Viçosa também se alastrou rapidamente nas redes sociais, deixando a população assustada. Ambos os casos foram desmentidos. (Foto: J. Renato Queiroz/Portal UOL)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

5) Homem é preso por criar página no Facebook para difamar prefeito de JF

 

No mês de outubro um homem foi preso em Juiz de Fora após ser identificado como responsável pela criação de uma página no Facebook com conteúdos que denegriam a imagem do prefeito Bruno Siqueira. Na página, que havia sido retirada do ar em junho (após solicitação de investigação pelo prefeito), alguns conteúdos sugestionavam o envolvimento de Bruno em esquemas de corrupção. (Foto: Roberta Oliveira/G1 Zona da Mata)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

6) Eclipse lunar com duração de seis dias

 

Também em outubro foi divulgado que a Nasa teria confirmado um eclipse que deixaria a Terra em escuridão por seis dias no mês de dezembro. A informação foi dada pelo site Huzlers. Jornais ingleses e norte-americanos desmentiram a notícia, e um deles chamou a atenção para o fato de que o site no qual a informação foi publicada é satírico. (Foto: Alexander Biondo/Site Jornal O Globo)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

7) Chinesa faz sexo em troca de hospedagem

 

Uma outra notícia que ganhou repercussão ao ser divulgada em vários portais e replicada nas redes sociais, foi a de que uma chinesa de 19 anos estaria oferecendo favores sexuais em troca de hospedagem em viagem por seu país. O boato foi desmentido no site do jornal The Telegraph, que afirmou se tratar de uma jogada publicitária para divulgar um aplicativo de encontros. (Foto: Boatos.org)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

8) Lombada “apreendida” após multar juiz

 

No início de novembro espalhou-se pelo Facebook a notícia de que uma lombada eletrônica teria sido retirada de seu ponto após multar um juiz no Rio de Janeiro. O texto foi publicado no site Sensacionalista, cujo slogan é “Isento de verdade”. Apesar da origem das informações e do absurdo do conteúdo, a informação foi compartilhada por muitos usuários da rede social. (Foto: sensacionalista.com.br)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

       

   

 

 

 

 

 

 

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