Remei
Revista de Mídias Eletrônicas Informacionais
por Ana Claudia Ferreira
A culpa é sua
O machismo ainda machuca
No dia 25 de outubro, enquanto estava dentro do ônibus que seguia para o campus da Universidade Federal de Juiz de Fora, Mariana* foi assediada por um homem, que aparentava ter entre 50 e 60 anos. Segundo ela, ele entrou no ônibus e tentou sentar no colo de uma menina. Após o tumulto, ela virou-se e acreditou que tudo estava calmo.
“O ônibus estava lotado, e eu estava com o fone de ouvido. A menina que já havia sido incomodada pelo homem estava tentando falar comigo, quando percebi que ele estava com o pênis para fora da calça e se esfregando em mim. E pra mim era uma bolsa de alguém, como sempre acaba acontecendo em ônibus lotados”.
Ela tentou se afastar e pediu ajuda para o rapaz que estava sentado à frente, mas ele a ignorou. “Eu pedia ajuda, mas ninguém fazia nada. As meninas que estavam próximas a mim não sabiam o que fazer. Foi quando eu consegui sair de perto dele”, conta Mariana* em depoimento exclusivo à esta revista.
O homem foi pego em flagrante e levado à delegacia por atentado ao pudor. “Eu fui até a delegacia do Bairro Santa Terezinha e prestei queixa, mas a Lei Maria da Penha só funcionaria se eu tivesse sofrido alguma agressão... mas ele ficou fazendo algo sem o meu consentimento! E se ele aparecer na audiência, acredito que não aparecerá, será punido prestando serviço à comunidade”, concluiu Mariana*.
Desde agosto de 2009, a lei brasileira referente à liberdade sexual sofreu mudanças. O Artigo 213 do Código Penal considera que é estupro: “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”. A pena prevista é de reclusão de seis a 10 anos.
O caso de Mariana*, estudante da Faculdade do Serviço Social da UFJF, teve repercussão nas redes sociais. Houve comentários do tipo: “Ela estava usando uma roupa curta”; “ela também provocou”; “como ela não percebeu que ele estava se esfregando?”. Essa repercussão mostra que ainda há um grande preconceito contra a mulher e que ela é considerada como a principal culpada da violência que sofre no dia-a-dia, seja a violência simbólica ou a violência sexual, dessa e de várias outras Marianas.
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Diante desta situação, o movimento estudantil organizou um ato contra a violência à mulher, encampado pela Assembléia Nacional dos Estudantes – Livre. A estudante da Faculdade do Serviço Social Larissa Moreira, uma das organizadoras do ato que aconteceu no dia 6 de novembro, explica qual a proposta da manifestação.
E a culpa é de quem?
O discurso que coloca a mulher como culpada de incitar o seu agressor foi construído desde o surgimento da propriedade privada, onde a mulher passou a ser vista como reprodutora, cumprindo o papel de garantir que seu filho seria o novo herdeiro dos bens do capital. A sociedade patriarcal se consolida, o machismo se torna umas das suas principais características e o maior causador da violência que a mulher contra a mulher.
Na Idade Média, as mulheres que cultivavam ervas, ou tinham conhecimento avançado de plantas medicinais ou mesmo um maior esclarecimento, foram perseguidas e acabaram na fogueira. Um passado de sangue que ainda persiste em acompanhar as mulheres e colocam-nas na posição de culpadas por grandes males. A professora Claudia Lahni, pesquisadora do feminismo e questões de gênero, comenta como se dá esse processo.
A luta feminista se unificou nos últimos anos e as mulheres se uniram contra casos de violência que acontecem em várias partes do planeta. É o caso da Marcha das Vadias. A mestranda em Ciências Sociais Janaina Morais pesquisa a Marcha das Vadia do Rio de Janeiro e explica como surgiu esse movimento. De acordo com Janaina, SlutWalk Toronto, a SlutWalk ou, em português, Marcha das Vadias, é um movimento que aconteceu pela primeira vez em 3 de abril de 2011, em Toronto, no Canadá.
O caso que desencadeou a manifestação aconteceu em janeiro de 2011, na Universidade de York (CA) durante uma palestra sobre segurança no campus (onde vários casos de abuso sexual estavam acontecendo) em que participavam membros da segurança da universidade e dois oficiais da polícia. Um desses policiais, ao dar dicas de segurança à comunidade estudantil, sugeriu que as mulheres deveriam evitar se vestir como vadias (sluts) para não serem vítimas de abuso sexual.
“Esse posicionamento do oficial gerou grande revolta na comunidade, que cobrou um esclarecimento por parte da polícia e o resultado foi a primeira SlutWalk”, conta Janaina. A partir deste caso, mulheres do mundo todo saem
“O grupo que organizou pela primeira vez a marcha, ressalta que falar sobre abuso sexual não é falar sobre a roupa que a pessoa está vestindo, não é nem mesmo falar sobre sexo, e sim sobre violência, e a declaração da polícia cria uma ideia de que não tem nada de errado em culpar a vítima pelo ocorrido”, diz Janaina.
A Marcha também reflete sobre o termo slut/vadia, que historicamente é utilizado com uma conotação negativa, para oprimir a sexualidade das mulheres. O grupo faz uma reapropriação da palavra, com o intuito de dar um novo significado ao termo e assim poder utilizá-lo fora desses contextos de opressão. E reforça que o fato de estare no comando de suas vidas sexuais, não significa que estão abertas para situações de violência, independente se praticam sexo por prazer, ou por trabalho. E Ninguém deveria comparar gostar de sexo com o fato de atrair abuso sexual/ No one should equate enjoying sex with attracting sexual assault (trecho retirado do site oficial.
A luta das mulheres ainda sofre grande resistência por parte da sociedade que mantém a postura conservadora e recebe a Marcha das Vadias como algo que afronta a moral e os bons costumes, o que legitima a falta de liberdade sexual, não só das mulheres, mas dos homossexuais, que também participam das manifestações.
Segundo Janaína, a Marcha do Rio desse ano, contou com a participação de vários seguimentos dos movimentos sociais. “Como as pessoas estão enxergando a marcha é algo bem subjetivo mesmo. Em campo eu já presenciei pessoas que adoram a proposta da marcha, participam, constroem e acham muito válido as reivindicações, mas também já presenciei muitas pessoas falarem da marcha de modo bem pejorativo, criticando o nome marcha das vadias e o fato de várias ativistas saírem semi-nuas durante o ato”. Relata Janaina, que participou da Marcha das Vadias, 2013 no Rio de Janeiro.
Marcha das vadias em Juiz de Fora
Em Juiz de Fora, a Marcha das Vadias acontece a dois anos, Jéssica Fachinetto é feminista e participa da organização da marcha e de grupos de discussão sobre o machismo, conversei com ela sobre a vida de uma militante e como as mulheres encaram o machismo no dia-a-dia. “Muitas mulheres se revoltam e entristecem mas pensam que "é algo ruim que aconteceu com elas" uma vez, por causa de uma pessoa, ou duas ou três vezes mas não conseguem perceber que o problema não são problemas isolados. É uma sociedade construída em cima de uma cultura machista da desigualdade. Mesmo quando percebem isso, a mobilização política é muito difícil.”.
Mesmo com tantas manifestações, ainda há o que se mudar, e o caminho é longo e a partir da conscientização que a modificações vão ganhando sentido. O pensamento machista está enraizado de forma sólida e isso é comprovado quando percebe-se o comportamento machista vindo das próprias mulheres, e que a culpa é dela, sempre que acontece algo inesperado. Além disso, o discurso que afirma que a luta feminista é ultrapassada é legitimada frequentemente em vários espaços.
“Parece que a idéia de liberdade é muito mais vendida hoje. ‘Já conquistamos tudo, estamos livres, somos até melhores que os homens, trabalhamos, cuidamos dos filhos, de nós, somos indispensáveis em casa, somos super-mulheres.’ A idéia de que não há mais nada a ser conquistado é muito vendida. ‘Lá no oriente médio é que as mulheres são oprimidas, aqui nós podemos sair na rua e usar a roupa que quisermos. A Maria foi estuprada, ok, mas isso não é um problema da sociedade, é um problema dela que abusou e quis sair de saia à noite, aí já é demais" essas coisas me horrorizam. Ouvimos muito isso de mulheres’, completa Jéssica.
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Marcha das vadias no Rio de Janeiro (Foto: Divulgação)
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(Foto: Divulgação)