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Bença, padrinho!

Prática alternativa à adoção incentiva ambiente familiar para crianças e adolescentes

 

Por Clarisse Iida

 

Um padrinho ou madrinha é a denominação para alguém escolhido cujo dever é acompanhar o desenvolvimento de uma criança a ser batizada ou de um casal que deseja oficializar a união. Nesse sentido mais tradicional, essas pessoas são patronas, protegem e escoltam seus afilhados. Mas há outra definição mais recente para o termo – é o apadrinhamento afetivo.

 

Esse novo significado da palavra apadrinhamento vai além da origem religiosa porque funciona como uma segunda chance na vida para uma criança ou adolescente que esteja num orfanato ou sob a responsabilidade de uma Vara da Infância. Na prática, é possível passar algum período, seja um dia ou um final de semana, na companhia de seu padrinho ou madrinha. Durante esse tempo, os novos tutores têm liberdade de escolher lugares para passear, como parques ou cinema, levar os apadrinhados para consultas médicas ou para a escola, além de poder celebrar datas comemorativas juntos. Tudo isso sem implicar qualquer vínculo jurídico.

 

Apesar do regime de adoção continuar sendo a solução ideal para cuidar dos menores desabrigados, as estatísticas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), um dos órgãos do Poder Judiciário brasileiro, são desanimadoras quanto à preferência pela faixa etária das crianças. De acordo com dados do CNJ, 20,05% do total de pretendentes cadastrados aceitam adotar meninos e meninas de até 3 anos, enquanto somente 4,91% concordam em adotar aqueles que têm 6 anos – e o número diminui radicalmente com o passar dos anos, como pode ser observado no infográfico abaixo:

Cautela na hora de apadrinhar

 

Dessa forma, é necessário que a equipe da associação seja capacitada a orientar todos os envolvidos no processo de apadrinhamento. O assistente social Eduardo Monteiro lembra que o procedimento de apadrinhamento precisa ser supervisionado com atenção. “É preciso realizar entrevista individual com os interessados, fazer visitas domiciliares e exigir a participação em oficinas, palestras e grupos de acompanhamento”, explica.

 

Apesar de tanta cautela, as consequências dessa prática são recompensadoras e marcantes para os jovens, uma vez que eles buscam apoio, autonomia, proteção e forte vínculo afetivo. A psicóloga Nayara Benevuto Peron afirma que a iniciativa “contribui para a autonomia social e garante um convívio de carinho e uma referência familiar para a criança”. Além disso, Eduardo Monteiro acredita que a prática estimula o interesse por crianças mais velhas que naturalmente têm chances remotas ou inexistentes de serem adotadas ou se relacionarem com outros adultos.

 

Quase uma família
 

O casal Mailise e Alyson Rocha tem uma filha de um ano e meio, mas sempre sonhou em construir uma família grande, formada por filhos adotivos e biológicos. Eles viram o apadrinhamento afetivo como uma forma de amadurecer a ideia de adoção futuramente, tanto assim que, em fevereiro de 2015, foram os primeiros a apadrinhar afetivamente na cidade de Sidrolândia (MS). Desde então, têm se encontrado com um menino de 8 anos durante os finais de semana. Mailise é pedagoga e conta que estava preparada para lidar com situações de birras, teimosia e até mesmo de violência, mas acabou se surpreendendo com o garoto, que se revelou obediente e carinhoso com a filha dos dois.

 

Quando estão reunidos, eles procuram fazer atividades simples que façam parte do cotidiano de uma família comum, como contar histórias antes de dormir, brincar com os cachorros da casa, assistir a um filme com pipoca e ir ao supermercado. Para a educadora, o objetivo do apadrinhamento afetivo não é dar presentes nem fazer grandes passeios, e sim permitir que a criança conheça como é um lar de verdade.

 

Além de apresentar um ambiente familiar ao garoto, a pedagoga acredita no poder de transformação de vidas através do apadrinhamento afetivo e de pequenas atitudes. Ela incentiva a prática da leitura e escrita durante brincadeiras, pois o menino, aos 8 anos, não reconhecia todas as letras do alfabeto. “Trabalho muito com a autoestima dele. Ele se sentia rejeitado e incapaz de aprender. Agora, já compreendeu do que é capaz, está mais feliz, risonho, com sede de conhecimento”, diz Mailise.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


 

 

 

 

Assim nasceu o grupo “Apadrinhamento – afetivo, colaborador, provedor” no Facebook. Luísa criou o espaço para ser um local acessível para a troca de ideias, experiências e dúvidas. Lá, pessoas de diferentes regiões do Brasil fazem perguntas relacionadas ao assunto e como podem participar da iniciativa. Luísa conta que nem todas as mensagens são respondidas por ela já que, muitas vezes, outros membros do grupo compartilham as suas próprias experiências.

 

A estudante de 20 anos ainda não tem todas as qualificações necessárias para apadrinhar afetivamente (consulte os requisitos no quadro ao final da página), por isso optou pela modalidade de apadrinhamento colaborativo, que consiste na iniciativa de fazer trabalho voluntário para o abrigo em que foi habilitada. Luísa dá aulas duas vezes por semana de língua inglesa para crianças de 7 a 12 anos num orfanato localizado em Campo Grande (RJ).

Assim, o apadrinhamento afetivo mostra-se como um meio para reintegrar e devolver vida social às crianças mais velhas, aquelas que dificilmente seriam adotadas. A iniciativa surgiu no Brasil em 2002, por influência de outros países que já executavam o programa, como os Estados Unidos e a Inglaterra.

Outro caso é o da professora Carina Henzel e sua apadrinhada de 11 anos. De acordo com a madrinha, a criança era muito tímida e mal falava quando se conheceram, em junho de 2014. Depois de quase um ano de convívio, as duas criaram uma ligação muito forte e conversam sobre vários assuntos. Todos os finais de semana, a menina dorme na casa da professora, e quando chegam as férias, passam um mês direto juntas. Em dezembro de 2014, as duas viajaram a lazer de São Paulo para o Rio Grande do Sul com a família de Carina. “Ela já tem todas as coisas dela em casa: escova de dente, toalha, roupas. Já conhece todos os meus amigos, família e namorada. Ela fala para todo mundo que tem duas madrinhas e não vê problema nenhum nisso”.

 

Essa convivência possibilitou a criação de laços com crianças que vieram das mais diferentes realidades e histórias. Nas aulas de inglês, há um garoto de 12 anos, o mais velho da turma, que chama a atenção de Luísa. O sonho do menino é aprender inglês para poder ser um “viajador” [sic]. No entanto, nem todos os garotos e garotas listados nas aulas estão tão interessados assim em aprender outra língua. “Eu vejo que, independente do inglês, muitos querem participar só para terem atenção e carinho vindos de alguém diferente. E essa é a beleza do apadrinhamento, fazer com que cada criança se sinta especial”, observa a universitária.

A psicóloga especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental Infantil, Nayara Benevenuto Peron, observa que os jovens de abrigos e lares de adoção, na maioria das vezes, já passaram por situações de maus tratos, negligência, abandono, abusos e rejeição. “É importante destacar que, para essa criança, proporcionar um ambiente seguro e afetuoso é o mais importante, pois elas já estão fragilizadas devido a problemas familiares anteriores”, enfatiza a psicóloga.

 

A profissional ressalta os riscos de “a criança criar expectativas errôneas acerca do papel do padrinho ou ficar ansiosa e se frustrar caso o sonho da ‘nova família’ não seja concretizado”. Ela alerta a importância do acompanhamento psicológico ao menor e sobre o risco de desenvolvimento de diversos transtornos emocionais, como depressão, ansiedade e estresse.

Fonte: Cadastro Nacional de Adoção

Nayara Benevenuto fala da importância de um psicológo para o apadrinhamento
FOTO: Arquivo pessoal

Carina Henzel e sua afilhada, juntas há 10 meses

​FOTO: Arquivo pessoal

Luísa Peixoto administra o grupo “Apadrinhamento – afetivo, colaborador, provedor”

​FOTO: Arquivo pessoal

Arte: Clarisse Iida

Fonte: Eduardo Monteiro, assistente social da Casa Lar Quintal de Ana

Para uma outra madrinha, a universitária Luísa Peixoto, tudo começou numa postagem do site Catraca Livre sobre um menino adotado. Nos comentários, muitas pessoas começaram a postar fotografias e depoimentos de suas famílias com filhos também adotados. “Me encantei pelas histórias, pelas fotos e quis ver mais. Li muito, aprendi pra caramba e me interessei cada vez mais. Me veio um desejo enorme de fazer parte desse universo”, conta.

Superando difculdades

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