top of page

Acolher, mas sem adotar

Experiência acontece em algumas cidades do país

 

Por Flávia Castro

 

Quando pensamos em acolher uma criança, que já não está na sua família de origem, nos remetemos logo ao conceito de adoção. Mas, ao contrário do que se pensa, de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu Artigo 34/Parágrafo 1, o acolhimento familiar tem prioridade perante o acolhimento institucional. Isso quer dizer que a criança poderá ter mais do que a assistência de um abrigo.

 

No interior de Minas Gerais, um projeto diferente do convencional está chamando a atenção. Desde 2010, na cidade de São João Nepomuceno, o Projeto Acolher possibilita a guarda solidária de crianças e adolescentes que, por algum motivo, estão afastadas de suas famílias. De maneira geral, isso acontece por conta das drogas, por abandono ou por negligência dos pais.

 

Para aqueles que desejam participar, o cadastro é feito no Centro de Referência Especializado em Assistência Social (CREAS) e é necessário se enquadrar em alguns pré-requisitos, além de não ter interesse em adotar a criança acolhida. De acordo com a Lei 2.692, que rege o programa, o lar provisório garante um convívio familiar, procura manter a criança em ambientes de socialização e garante os direitos básicos de existência.

 

Mesmo sabendo que a convivência vai ser temporária, os benefícios são diversos para ambos os lados. De abril de 2014 a março de 2015, 12 crianças foram acolhidas em 9 famílias. Essa diferença acontece porque, preferencialmente, os irmãos ficam juntos na mesma casa. Hoje na cidade, três famílias estão acolhendo crianças.

 

 

Um cuidado que deu certo

 

Nos dicionários, o termo acolhimento significa, em geral, recolher com agrado. Foi isso o que fizeram o secretário parlamentar George Bezerra da Silva, de 42 anos, e sua esposa Alessandra de Souza Ribeiro, de 28. Juntos tomaram uma decisão: foram a primeira família participante do projeto, na cidade. Em 2011, logo que receberam o convite da assistência social, acolheram, durante três meses, uma menina de oito anos, que teve alguns de seus direitos violados dentro de casa. “A gente é muito a favor que as pessoas possam colaborar, ela não deu trabalho nenhum!”, ressalta George.

 

A pedido do casal e para preservar a identidade a criança, usaremos o nome fictício de Clara. Com a chegada dela, George e Alessandra procuraram manter o ambiente familiar e não criar nenhuma situação para que Clara pudesse se sentir em casa. As boas lembranças ficaram marcadas: “Ela gosta muito de pizza. Um dia, nós fomos a um festival e ela ‘mandou ver’ na pizza”, relembra George.

 

As famílias são orientadas a não ensinar a criança a tratá-los como “pai” e “mãe”, mas George conta que, após um tempo de convivência, a menina o chamava assim. “Eu não sei se era certo, porque criar esse vínculo e, depois perder, talvez não fosse o correto [sic]”, destaca. Apesar da adoção não ser o objetivo do programa, o primeiro casal acolhedor conta que, na época, pensou em adotar Clara, mas a tia-avó achou melhor aguardar para que ela pudesse retornar à sua família de origem.

 

 

Para o casal, o projeto foi importante porque significou um momento de união entre os membros da família. O fato de ter acolhido uma criança em sua casa motivou George a prestar concurso para o Conselho Tutelar e, assim, participar ativamente de questões relacionadas a proteção da criança e do adolescente. Mas ele acredita que estas são causas esquecidas pelo poder público. Em relação ao projeto Acolher, ele defende modificações e maior rigidez na escolha da família acolhedora.

 

A menina reestabeleceu os laços com a família biológica e atualmente mora com a mãe e o irmão, em uma cidade do Rio Grande do Sul. Já George e Alessandra pensam em receber futuramente outra criança, mas que o tempo está limitado por conta dos compromissos de trabalho e com o filho pequeno. “É algo que exige dedicação!”, afirma George. Mas o contato entre o casal e a mãe biológica de Clara continua pela rede social Facebook.

Mais histórias

Vera Lúcia de Oliveira Souza, mãe de 3 filhos, é dona de casa e está cuidando de uma menina de 2 meses através do programa. Ela conta que decidiu se cadastrar na Família Acolhedora porque gosta de criança e, também, para ajudar. É a primeira vez que acolhe uma criança, pelo projeto, mas já teve outra experiência cuidando de uma sobrinha que perdeu os pais. Vera diz que cuida da criança como se fosse um dos seus filhos. Ela sabe que a guarda provisória dura seis meses e acredita que, apesar do vínculo criado, vai ser tranquila a volta do bebê à família biológica. E se esta permitir, dona Vera pretende continuar a manter contato.

A aposentada Eliane Fajardo Passe recebeu uma criança do projeto em dezembro de 2014 e, como dona Vera, também cuidou de duas crianças anteriormente. Segundo ela, o processo de adaptação foi tranquilo e para a menina se sentir confortável em casa, cuidava da mesma maneira que cuida de seu filho biológico. Eliane revela que sofreu quando a criança retornou ao seu lar de origem, mas que seu filho sentiu mais ainda. Eliane, quando questionada se pretendia receber outras crianças, mostrou-se muito animada: “É claro! Pretendo sim! Só preciso passar por essa fase que eu estou passando [problemas de saúde] e assim que eu melhorar, eu quero mais, tá?!”

Acompanhamento profissional

 

De acordo com o psicólogo do projeto, Ricardo Filgueiras, os profissionais envolvidos trabalham diretamente com a criança, com as famílias biológicas e com as famílias acolhedoras.  Ele conta como é o processo de chegada da criança ao projeto. “Quando não consegue ninguém da família, que possa cuidar dessa criança, eles – o judiciário - entram em contato com o programa”.

 

Pela legislação de São João Nepomuceno, a família acolhedora pode cuidar da criança por um prazo de seis meses, prorrogável por mais seis. O que vem sendo feito é, que quando o acolhido não tem condições de voltar para sua família, a guarda definitiva é dada a família do programa, onde a criança fica até os 18 anos. Apesar de um dos pré-requisitos ser não ter interesse em adotar, Ricardo diz que ter a guarda é diferente de adoção. Ele explica ainda sobre o cadastro e quais são os pré-requisitos para ser uma família acolhedora.

Quando a criança já está com a família também há acompanhamento através de articulações entre as redes de saúde e educação, de relatórios da escola, marcação de consultas e relatórios mensais de cada caso. Os profissionais fazem atendimento psicológico das crianças e preparam a família com grupos, conversas e, toda semana, visitam as casas para ver como está a situação. Quando o psicólogo percebe que o apego está excessivo, a orientação é que a criança troque de família acolhedora.

 

Caso a família biológica não tenha condições de receber a criança de volta, o Judiciário vai consultar o Cadastro Nacional de Adoção e encaminhar pra adoção.

A Regra é aprender se divertindo

Vera Lúcia se cadastrou no programa com o objetivo de ajudar.

Foto: Flávia Castro

Eliane Fajardo diz que pretende receber outras crianças através do programa.

Foto: Flávia Castro

bottom of page